Longe de terem a popularidade e o porte dos fundos de pensão de grandes empresas, como o Previ e o Petros, os fundos de previdência ligados a Estados e municípios têm atraído uma fila de pretendentes em busca do volume de recursos aplicados no mercado financeiro, que somava R$ 51,9 bilhões em dezembro.
De bancos públicos a privados, todos querem uma fatia do mercado, que promete crescimento. É por isso que chegam às prateleiras uma série de novos produtos feitos para ajudar esses fundos a atingirem suas metas de rentabilidade.
A estimativa do secretário de Políticas de Previdência Social, Leonardo Rolim Guimarães, é de que os Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), como são chamados esses institutos, já teriam aplicados cerca de R$ 55 bilhões em julho, o que significa um crescimento de 188% em relação aos R$ 19,1 bilhões do final de 2004. Para os próximos cinco anos, a expectativa de Guimarães é de que o volume supere os R$ 100 bilhões.
De olho nesse movimento, o Banco do Brasil, líder nesse mercado, lançou novos produtos voltados para RPPS, à semelhança do que fez a Caixa no começo do ano. Segundo Janio Macedo, gerente de gestão previdenciária do Banco do Brasil, que supervisiona a área de RPPS de Estados e municípios, o BB vai colocar nas ruas, até o fim de 2011, dez fundos específicos para o segmento. Os fundos foram criados para atender à demanda por produtos que ajudem os RPPS a alcançarem sua meta atuarial (que costuma ser de cerca de IPCA mais 6%), algo que vai se tornando mais difícil, à medida que a taxa de juros cai.
Com os lançamentos, o BB pretende captar até R$ 500 milhões. Outros fundos que o BB já tem para o segmento captaram, no primeiro semestre, R$ 1,8 bilhão. A Caixa, segundo maior participante desse mercado, recebeu aplicações de cerca de R$ 860 milhões no mesmo período.
Juntos, os dois maiores bancos públicos do país já administram cerca R$ 29,7 bilhões de recursos de RPPS. Outros R$ 19 bilhões estão aplicados em títulos públicos e o restante, com gestores privados. Os bancos Itaú, Bradesco e HSBC estão entre os mais ativos, segundo o Ministério da Previdência Social. A vantagem dos bancos públicos, entretanto, se explica pelo fato de a maioria dos Estados e municípios já concentrarem com eles suas movimentações financeiras.
A disputa pelos recursos dos institutos se intensificou de tal maneira que assustou até mesmo seus gestores. "A competição aumentou demais neste ano", diz Roberta Zarpelon, responsável pelo fundo da cidade paulista de Paulínia. "Tomamos um susto em fevereiro, tamanho o número de propostas de bancos e assets que chegaram". Paulínia, a pretensa Hollywood brasileira, tem um dos aiores fundos de municípios do país. O patrimônio somou R$ 454 milhões em julho. "Cada dia que passa há mais produtos dos bancos para nós".
Os novos produtos oferecidos pelos bancos investirão principalmente em Depósitos a Prazo com Garantia Especial do Fundo Garantidor de Crédito (DPGE). A Caixa lançou fundos com características parecidas neste ano e o HSBC estuda lançamento de produto que invista em crédito privado para RPPS. Outro esforço feito pelo BB é a realização de um "road show" para popularizar o RPPS e atrair novos municípios.
Essa onda de fundos que investem em DPGE e outras formas de risco privado só foi possível graças à resolução nº 3.922 do Conselho Monetário Nacional (CMN), de novembro do ano passado. A regra possibilitou alocação de até 5% do patrimônio dos institutos em carteira de créditos privado. Outros 5% podem ser alocados em fundos multimercados e até 30% em ações.
A decisão do Banco Central de extinguir gradativamente o uso do DPGE a partir do ano que vem, entretanto, obriga bancos a pensarem em alternativas. Macedo, do BB, cita os Fundos de Investimento Imobiliário, os de Fundos Investimento em Participações e os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) como as aplicações que sucederão o DPGE.
"Os RPPS vão ter que migrar para um nível de risco mais acentuado se quiserem atingir as metas de rentabilidade nos próximos anos", diz Phylipe Corsini, responsável pelo segmento RPPS na HSBC Global Asset Management. Ele concorda que os FIDCs devem se tornar os sucessores de produtos de crédito privado que aplicam em DPGE. Para Corsini, a importância desse tipo de aplicação está em "travar" uma parte da meta, deixando pouca margem para flutuação.
O HSBC captou R$ 155 milhões no semestre e administra cerca R$ 1,1 bilhão em recursos de RPPS. O banco considera o mercado de RPPS mais promissor agora do que o de fundos de pensão de empresas. "Há uma curva muito mais crescente para o RPPS do que para os fundos de pensão, que são um mercado maduro", diz.
A perspectiva de crescimento do volume aplicado pelos RPPS se baseia no fato de que, hoje, dez Estados e mais de três mil municípios ainda não constituíram os seus regimes próprios e deverão, obrigatoriamente, fazê-lo nos próximos anos. Além disso, a relação entre funcionários ativos e inativos nos municípios é muito alta.. Para cada aposentado e pensionistas, existem quase quatro servidores em atividade nas cidades brasileiras. São 2,26 milhões de funcionários ativos para apenas 571,8 mil inativos e pensionistas. Nos Estados, essa relação é bem mais baixa. Para cada inativo, existe 1,64 funcionário em atividade. São 3,03 milhões de servidores em atividade para 1,84 milhão de inativos e pensionistas.
"O mercado de RPPS é estratégico e importante, tanto para nós, quanto para o governo", diz o diretor executivo de produtos de investimento e previdência do Itaú, Osvaldo do Nascimento, lembrando que esse instrumento ajuda a diminuir a pressão dos gastos previdenciários. O Itaú administra cerca de R$ 2,16 bilhões desses institutos. Ele acredita que deve haver diversificação das aplicações, mas que a tendência é de longo prazo, para além dos próximos dez anos. "É um mercado lento, em que todos os projetos são de longa maturação. Pode levar de dois a três anos entre a decisão de criação até a implantação do fundo", diz.
O RPPS é um regime obrigatório para os níveis federal, estadual e municipal e os benefícios são definidos em função dos salários em atividade. Na União, o regime funciona no sistema de repartição simples, ou seja, os atuais funcionários ativos financiam os aposentados e pensionistas, com o Tesouro Nacional cobrindo o déficit (que é a diferença entre os benefícios pagos e as contribuições realizadas, inclusive da União). No ano passado, o déficit foi de R$ 51,2 bilhões. Para este ano, a previsão é que ele ficará em torno de R$ 57 bilhões.
Na maioria dos Estados e municípios, o RPPS funciona no regime de capitalização, ou seja, as contribuições realizadas pelos servidores e pelos governos estaduais e prefeituras são capitalizadas em um fundo. Mas as contas não são individuais, ou seja, as contribuições não são depositadas nas contas de cada servidor, mas em um fundo único.
As alíquotas de contribuição são definidas em lei, mas elas não podem ser inferior a 11% para o servidor e para o ente. Quando há um passivo atuarial a ser equacionado, o RPPS cobra uma alíquota adicional. O passivo atuarial de todos os RPPS, incluindo o da União, é estimado em R$ 1,52 trilhão pelo Ministério da Previdência.